segunda-feira, 12 de abril de 2010

Meu Vizinho

Ah, Itália... Como ti amo. Terra de contradições, onde os ternos têm o melhor corte, tomam-se os melhores cafés e, pasmem!, vota-se no Berlusconi. Entendo a simpatia do povo pelo sujeito, trata-se dum bom vivant e por aqui se aprecia muito la dolce vita, em detrimento da vida loca, que é coisa de porto-riquenho. E, se a vida é doce na Itália, é mais doce ainda no Lago do Cuomo, onde me encontro em exílio, fugido de São Paulo, cidade onde as pessoas trabalham muito e, pasmem!, parecem se orgulhar disso.

Cá vivo numa pequena estância, em companhia de Giuletta, minha cozinheira dos lábios de mel, que me prepara deliciosas massas e me conforta nos momentos de solidão. Nas noites de insônia ela se achega a meu quarto e passamos a representar alguns contos do Decamerão, tudo fica mais divertido e o sono me vem facilmente. No dia seguinte, revigorado, abro as janelas do quarto, a luz invade minh’alma, meus olhos contemplam a beleza do lago, meus ouvidos são despertados pela sinfonia matinal dos pássaros da região e posso sentir o cheiro do café preparado pela doce Gigi, que saboreio sempre acompanhado por algumas fatias de pão - italiano, é claro. Gigi sorri. Que mulher!

Mas alegria de brasileiro dura pouco e, como bom filho de Deus, também hei de ser pregado na cruz. Pois que meu vizinho vendeu sua casinha para um astro de Hollywood, mais conhecido pelo nome de George Clooney, que dizem até ganhou um Oscar. Até aí, nada demais, entenda-se. Dizer que é vizinho do George Clooney pega muito bem com a mulherada, muitas delas passaram a freqüentar minha casa na esperança de ver o astro, o que é raro, pois trata-se de um homem muito reservado. Ao ver o desapontamento estampado em suas lindas faces, não me contenho:

- Vem cá, benzinho, que também tenho meus dotes artísticos. Posso não ter ganhado o Oscar, mas vá lá; a gente tem de fazer nossa parte pelo cinema independente.

E toca representar o Decamerão.

Só não entendo por que sempre que isso acontece no dia seguinte a Gigi me prepara um café mal passado e com pão - italiano, é claro, embolorado. Gigi com aquela cara de merda. Fui reclamar com ela e deu-me com o pau de macarrão na cabeça. Vai entender as mulheres!

Mas divago. O fato é que ser vizinho do George Clooney ia ser muito bacana, não fosse o maledeto resolver fazer umas festas de arromba quase todo final de semana. Minha rua fica apinhada de paparazzis, carros e seguranças das celebridades amigas dele. É triste, lembro-me de São Paulo. Além disso, os mais renomados DJ’s mundiais se oferecem para tocar em suas festas, o que significa ser obrigado a escutar Lady Gaga a noite inteira, em volume máximo. Fico preocupado com o estado mental de Gigi, a pobrezinha não consegue dormir e nem nossas representações do Decamerão são as mesmas. Acabo perdendo a concentração, esqueço o texto, isso nunca tinha me acontecido antes. Um horror.

- O viadinho podia me convidar pra essas festas. Sou vizinho dele, caralho!

No dia seguinte fomos eu e Gigi, fiel escudeira, bater na casa do ator para pôr esta história em pratos limpos. Demos com a cara na porta.

- Ainda solto os cachorros ao filho da puta.

Não deu outra. Na festa seguinte, não sei como, meus dois cachorros, Gog e Magog, escaparam do canil, indo parar no quintal do George. Gog e Magog são dois mastins - napolitanos, é claro – faço minha parte pela preservação da fauna local. Muito amigáveis, apesar de feios pra caralho. Assustam mais do que comem gente, o que torna o boato de que o Tom Cruise saiu mais baixinho da festa totalmente infundado. Bem, depois disso o galã resolveu falar comigo. Expliquei meu ponto, ele o ponto dele – ficou acordado que iria convidar eu e Gigi para as próximas festas. Achei estranho o fato dele estar inflexível até Gigi entrar na sala, depois virou uma manteiga derretida. Vai entender os astros!

Fomos a tal festa, muito animada, cheia de esquisitões. Foi-se o tempo em que meu cabelão e o brinco na orelha eram suficientes para chamar atenção. Confesso que estou démodé – o próprio uso dessa palavra confirma isso, a moda agora é dizer old fashioned, menos na França, é claro – mas para isso tenho minha tática especial: começo a falar português. Todo mundo gosta de algo exótico, a roda já se forma ao meu redor. E claro, me escalam pra fazer caipirinha.

Eu lá fazendo caipirinha e um bando de homens em volta da Gigi, que é só sorrisos. Eita! Tira a mão que a cozinheira é minha!

Vocês já foram em festas que não tem brasileiro? Pois é, nem eu. Esse é o caráter do nosso povo, festivo. Rapidamente encontro alguém pra continuar fazendo as caipirinhas e volto a assumir meu posto ao lado dela, que dançava um pancadão nervoso.

- Gigi, vambora que essa festa tá muito chata!

E foi assim. Hoje o George nos convida para todas as festas, virou amigão. Gosta de aparecer aqui na estância quase todo dia, pra filar uma bóia. Diz que gosta muito da comida da Gigi, eu entendo. Mas não gosto nada do jeito que ele fica olhando pra ela. Só sei que nunca mais esqueci o texto do Decamerão depois disso. Afinal, tenho até um certo nome no cinema independente.