quinta-feira, 27 de maio de 2010

Um Estudo Sobre o Fogo

     Sou criatura solar, devoto deste deus antigo que tem muito nomes, que nos dias claros me fortalece e transmuta – Homem-Pássaro lançado ao céu querendo ganhar o mundo – iluminando os caminhos, rompendo o futuro agora, não temo a morte. Pois trago o fogo comigo, incrustado em meu coração, fornalha que bate tumtum, no ritmo acelerado do meu tempo, destroçando máquinas, engrenagens e sistemas, buscando o incompreensível – a língua primordial. Mas, nos dias nublados, sou Ícaro caído por terra, não por estar muito próximo, mas por estar longe D’ele, e me vejo errando na noite, eu que fujo da escuridão, o anti-vampiro, pálido e sem vida. Pois sou feito do calor desta chama, e só este bem posso te oferecer: se o aceita de bom grado, aninha-se em meus braços, te apertarei forte, e não sentirá frio, nem medo, e congelarei este instante com todo o fogo que é meu desejo.

domingo, 16 de maio de 2010

O Cara

          Olha só esse cara, vez em quando sai pro quintal só pra ver os meninos saindo da escola, que no riso e na gritaria e na pureza das brincadeiras deles, ele também se sente mais puro, parece que vira moleque junto com eles e lembra que fora uma criança feliz, e isso era bom, mas que bom mesmo era observar os pais, tios e avós recebendo os garotos pra voltar pra casa, alguns dando bronca, outros passando a mão na cabecinha deles, mas sempre dando um beijinho naqueles rostinhos todos, coisa linda, e se recorda que também ganhava um beijo do pai e da mãe quando o buscavam na escola, e como era bom!, que ele menino ainda, gostava muito de ganhar carinho, tinha um monte de vida pela frente e nem imaginava que também ia crescer e começar a dar seus beijos por aí, um montão deles, olha só – que maluco – tenta lembrar do gosto de todos eles, e vai puxando o fio da memória, que o novelo dele já tem um bons metros, empinando uma pipa que vai abraçar o Sol, acha engraçado que não se recorda da maioria deles, devia estar bêbado nessas vezes, hihihi, mas não significaram nada mesmo, os que importaram, eram poucos, e ele se lembra de todos, e de todos os gostos o que mais gostava era o gosto dela, aquele gosto que percorrera com toda a língua e fixara ao palato de forma indelével há tanto tempo, lembra do espaço que o contorno de seu corpo ocupa em seus braços, seus sinais, calor e perfume, e que não fazem mal um para o outro, é um só querer bem, e que um dia ela pediu para manterem acesa a chama do afeto que existe entre eles, mesmo naquela ventania toda que habita o Mar revolto que tem dentro dele, e dentro dela também, e que estava feliz com a bondade e beleza desse gesto dela, pois dava significado para um monte de coisas, e percebeu que logo ia anoitecer, então iria à praia e deitaria na areia, braços e pernas esticados como se fosse um anjo, e assim, abraçado a Terra, olharia para o Céu, e sabia que nunca mais se perderia, pois aprendera a encontrar o Norte só de olhar para o Cruzeiro do Sul.